6.7.15

Eu e o pintainho




Num destes dias, numa daquelas conversas de circunstância com a minha mãe, em que acabo sempre a aprender alguma coisa, contava-me ela, como se nada fosse, como se se tratasse do mais comum dos episódios das nossas vidas, o primeiro momento poético da minha existência.

Quando a minha mãe estava grávida de mim, já de barriga bem grande, o meu irmão teve rubéola. Naquele pânico, naquela falta de meios médicos de há trinta e quatro anos, o risco de eu não vir ao mundo ou, pior, de vir ao mundo com três olhos e cinco pernas era imenso e já se conheciam os perigos e consequências de contrair rubéola durante uma gravidez.

Contava-me a minha mãe, que lá foi, desgostosa de morte, amparada pela minha tia, a caminho de Lisboa para fazer o tal exame que iria dizer se ela e eu estaríamos infectadas com rubéola ou não. Como vêem, não estávamos.

Mas o bonito disto, o verdadeiramente bonito disto, foi que, para saberem se eu podia continuar aqui, um pintainho teve de morrer. Um pintainho teve de morrer.
O teste era feito num pintainho. Creio que já não o é.
Mas, naquela altura, a minha mãe conta que teve de esperar o resultado do pintainho. E, naquele dia em que o pintainho morreu no laboratório, foi o segundo dia em que nasci. O primeiro terá sido o dia em que a minha mãe soube que me ia ter. O terceiro foi o dia em que, efectivamente, vim ao mundo. Nasci três vezes.
Eu não sabia desta história, deste desespero, mas soube-me a poesia saber que houve um pintainho que deu a vida por nós. Por mim.



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