6.5.13

O padre da minha aldeia





O padre da minha aldeia, certo dia na missa, tentou convencer a sua audiência a tomar uma determinada posição, sobre um assunto que nem ele entendia, com um sermão fraco de argumentos e recheado de metáforas difíceis de descortinar.
Começou por ler uma parábola qualquer, que ninguém escutou com a devida atenção porque, assim-como-assim, já se ouvem as mesmas histórias vai para cima de uma eternidade e as pessoas não se importam de cumprir com o credo mas não lhes peçam sacrifícios, como manter os níveis de atenção elevados, perante tão desinteressante cantilena e tão medíocre sermão. Depois lá se perdeu num discurso sem coerência nem objetivo, para além de querer impor a sua opinião aos outros e de querer que os outros vejam nessa opinião a indiscutível verdade. Não sei se mais alguém ouviu o que eu ouvi mas a mim não me engana: aquilo há muito que deixara de ser uma missa e há muito que ele tinha despido a pele de padre.
O público não era o mais motivado, concordo, mas o orador também não era (nunca foi) o mais convincente. Olhar rasteiro sobre as letras das escrituras, voz hesitante e apagada, mãos trémulas e frias, pouca presença, pouco carisma, pouco fé. Assim, nem Deus acredita! Mas a verdade é que, a dormir ou não, a imagem do conjunto de fiéis lá permanecia. Aquele velho público… ensonado, iletrado, desinteressado e cansado. Era o que tínhamos. Sempre dão menos trabalho e são mais fáceis de convencer.
Mas, talvez dado o absurdo da coisa, eu prestava atenção ao que o senhor padre lá ia dizendo. Queria ver onde é que aquilo ia dar. A dúzia e meia de velhinhas que dormitavam nos bancos corridos de madeira (ajudadas pela visão inovadora do pavimento radiante sob os pés que o padre meses antes mandou instalar) lá iam embaladas pelas histórias mas nada comparsas de tão empreendedor discurso. O senhor padre não sabia mas restava-lhe apenas eu como interessada, ainda que descrente. Ele nunca chegou a saber mas no final aquela conversa toda cheirou-me a filme de baixo orçamento: a pessoa quer acreditar até ao fim que o filme vai acabar em bom, mas esse fim nunca acontece. O filme é, simplesmente, mau.
No fim da missa, as beatas saíram tal e qual como entraram. Não foram lá fazer mais do que lhes é habitual, e esse hábito tirou-lhes a emoção e o sentido crítico. Foram à sua vida. Hão-de voltar outro dia para ouvir o mesmo sermão sem levantar questões e estar ao lado do padre para o que der e vier.
As outras, aquelas que dormiam, gostaram muito da missa, sim senhor, que o senhor padre fala muito bem. Sabem lá elas! Já só apanharam o “ ide em paz e que o Senhor vos acompanhe” e isso é inquestionável. Estas também voltarão para ouvir mais patacoadas sem pensar muito, que isso dá trabalho e pode-se vir a perceber o embuste do discurso e não queremos cá revoluções de ideias.
As que se lembraram naquele dia de ir à missa, para limpar a cabeça e as ideias, vieram piores. Não resolveram nada, o padre não lhes resolveu nada, e ainda trazem um assunto para pensar em casa. Essas pessoas que nunca vão à missa (e percebe-se sempre quem são) ficaram surpreendidas. Amedrontadas. Aterrorizadas. Incrédulas até, com tamanho sacrilégio camuflado num sermão casto. Com a dissimulação de um pedido de sacrifícios sob palavras salvadoras, coisa que não se via desde os tempos que Cristo veio à terra. Mas essas pessoas são aquelas que não vão voltar e por isso nunca conseguirão fazer a diferença e acordar aquele público moribundo.
A diferença é que passados dois mil anos já ninguém acredita em milagres de multiplicação dos pães quando está a passar fome, dura e real. Ninguém está para dar a outra face quando leva uma bofetada bem assente. E ninguém se vai inibir de atirar a primeira pedra à primeira filha de putice que se fizer.
Por isso cuidado senhor padre, muito cuidado, porque se não sabe fazer milagres não nos venha pedir para não cometer pecados, sobretudo se o que estiver em causa for a nossa defesa.




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