8.12.11

O ovo podre. O ovo mole. E os fi (lh) os de ovos.





Nasceu de interior tosco e fez-se mal formado. O mau agre do seu interior não era previsível pela casca. Parecia limpa. Uniforme. Tinha peso e tamanho regulares. A cor não despertava curiosidade. Parecia um ovo comum. Mas tudo acontecia lá dentro. As sua entranhas apodreciam velozmente. E começavam a feder...
Um dia, a casca ameaçou estalar lentamente. Silenciosamente. A fissura era tão insignificante que quase não se via. Também, por certo, foi sendo ignorada. "Não há-de ser nada!". Pensou-se sempre assim: que não haveria de ser nada! Mas com o passar do tempo, transformou-se num "tudo". O problema agigantou-se e o ovo acabou por estalar, como estuque fino de má qualidade. Acabou azedando aos olhos de todos, e a sua casca já não lhe servia de protecção. Estava desmascarado. O ovo mais bonito da capoeira, afinal, não passou de uma promessa que não se cumpriu. 

Ela era doce de tão mole. Era mole e doce, com ela e com os outros. Tão mole que nem se moveu quando percebeu que o ovo podre estava prestes a estalar e rebentar-lhe em cima. Deixou andar, na esperança de uma cura que nunca promoveu, não só por descuido, mas por acreditar nas melhoras espontâneas. Mas eram apenas "melhoras da morte" que a esperavam. Contudo, apesar de espapaçada, com tal infortúnio em sua vida, poderia ter sido mais firme. Com gelo, com muita frieza, poderia ter ganho corpo e consistência. Podia ser daquelas gemas que se comem de faca e garfo, em vez daquelas que se comem com colher. Mas não! A natureza ditou-lhe o temperamento: seria quase líquida e sem forma. No fundo, não passada de uma gemada que levou um pouco de calor. Não obstante ter conhecido um ovo podre, ainda teve de saber lidar com a maior das suas debilidades: nunca ter tido casca. Nasceu sem protecção apesar de doce. Haveria de viver uma vida a levar socos como se tivesse escudo, sem ter.

Um dia, os dois ovos, chocaram de frente e fizeram uma receita. Uniram o bom e o mau. Misturaram o excelso com o medíocre. Puseram-se ao lume. Apesar dos ingredientes de má qualidade, foram habilidosos e não talharam as gemas. Elas uniram-se. Fundiram-se amigavelmente. Ficaram perfeitas. Daqueles dois ovos indigentes nasceram uns fabulosos fios de ovos. Consistentes. Bonitos. Firmes. Saborosos e inteligentes. Os melhores fios de ovos criados em condições tão adversas. De uma impossibilidade se fez uma certeza. Os seus fi (lh) os de ovos foram os mais bem criados da capoeira e os que mais orgulharam os seus progenitores. 

Ele era um ovo podre. Ela era um ovo mole. Os seus filhos eram de ouro. 






2 comentários:

  1. Adorei esta.
    Põe em causa a genética ou antes pelo contrário. Sendo que num ovo podre e num ovo mole há de certeza genes de ouro.
    BOAS FESTAS

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  2. Brutal! Gostei muito! Maravilhosa escrita :) Cativa para continuar... E continue sempre!

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